A PROPOSTA PARTE UM
capítulo 8
A grosso modo, era um gigantesco disco, o piso era branco, e continha um brilho fosco, não havia um grão de poeira sequer, ou sujeira, além de que, o solo parecia ser feito de um estranho material compactado que não era metal, nem mineral.
Há cerca de sessenta metros de altura, encontrava-se o teto, que não era sustentado por nada, a não ser, o vidro, que não emitia reflexos, que circulava a extensão do disco, dele era possível ver o céu, coberto por estrelas, mas o fator mais fascinante sem dúvidas, a intensa faixa de luz, circular, que jazia sólida como um espesso lazer incandescente bem no centro da gigantesca estrutura.
Deste raio de luz, que parecia tão sólido quanto o piso, saiam milhares de seres cujas expressões faciais expressavam a mais perfeita naturalidade, como se lhes fosse um hábito corriqueiro, e ao mesmo tempo, milhares de seres caminhavam em direção a esta luz, e desapareciam por completo em seu interior, Dawa perguntou-se onde deveriam estar indo, e subitamente, percebeu que a luz as levava para onde quisessem ir, ou ao menos, onde pudessem ir: Uma única porta, milhares de destinos.
– Esta é a unidade central da Colônia – Disse a mulher.
Dawa observava a tudo fascinado, nunca antes imaginou algo parecido, sentia-se tentado a observar as estrelas através da extensa parede de vidro, ao mesmo tempo, que como uma criança, desejava correr intensamente por todo o ambiente, com os braços abertos.
– Aqui, é onde acessamos diversas outras áreas da colônia… Como percebeu, é preciso atravessar o portal para se acessar estas outras áreas, e é o que vamos fazer agora mesmo.
– Já? – questionou Dawa, decepcionado, como se desejasse permanecer ali, contemplando.
– Por favor, siga-me.
A mulher caminhou em direção a luz, e Dawa foi atrás dela, lembrou-se de sua pergunta “ se lembra de mim? “ e realmente não se lembrava dela, nenhuma característica sua lhe era familiar.
Dawa deixou que o queixo caísse, quando avistou sair do imenso portal de luz, que parecia maior e mais largo a medida que se aproximava, uma criatura cuja pele era azulada, e os olhos, serenos e delicados, assim como os dos orientais. A criatura seguiu adiante, foi quando Dawa percebeu que o lugar, possuía estruturas ocultas ao redor da parede de vidro, como se fossem pequenos gabinetes.
Dawa suspirou assim que se aproximou o suficiente do cilindro de luz.
– Não se preocupe, não vai doer – brincou a figura da mulher, desta vez, o sorriso travesso fora absurdamente familiar, mas quem era ela?
Dawa cruzou o portal luminoso e sentiu-se deslizar por algo denso, porém, repleto de leveza, como paredes de vento que o guiavam num infinito e ofuscante branco avassalador.
Dera apenas alguns passos, e repentinamente saíra em frente ao que parecia ser uma varanda suspensa, num enorme rochedo.
Desta vez, pisava em rocha firme, e o chão era tão azul quanto o lápis lazuli, não se surpreenderia, se a estrutura rochosa fosse feita de lápis lazuli. A sua frente, avistou o que pareciam ser enormes prédios de aparência rústica, porém, não havia imperfeições, eram como castelos naturais, esculpidos em rocha, pequenas torres sobrepostas de outras torres, repletas de janelas arredondadas, como se fosse um exótico conjunto de corais.
A mulher apontou para continuar a segui-la, e então pôde perceber uma pequena escada de pedra a sua esquerda, que dava acesso a outros patamares inferiores, estes por sua vez, indicavam uma única passarela, que dava no que parecia ser, uma gruta de rocha rutilada, de um azul tão forte, que beirava o violeta.
É por aqui que deve seguir – disse a mulher apontando o caminho.
– Para onde estou indo?
– Para a sala de Ahkban! Seu terapeuta.
– Meu o que?
– Terapeuta – respondeu a mulher.
Dawa permaneceu em silencio, como se em profunda duvida.
– Não se preocupe, Ahkban te dirá tudo o que não sou indicada para explicar-lhe, e então, diga tudo o que está sentindo, é através dele, que o seu retorno ao planeta, poderá ser possível…
“Retorno?”
– Sim, retorno – respondeu a mulher, que de fato, havia acabado de ouvir o que dawa tinha pensado.
– Mas não se preocupe, tenha certeza de que haverão inúmeras sessões com Ahkban antes que isso aconteça, e para que aconteça da melhor forma possível… Não encontrará dificuldades em encontrar a sua sala, fica no interior daquela tronqueira – disse, apontando para a rocha do outro lado da extensa passarela.
Dawa dera alguns passos e então olhou para trás.
– Você não vem comigo? – questionou Dawa.
– Ah, não – respondeu a mulher – seu tratamento é algo que compete somente a você e Ahkban… E a propósito, apresse-se, ele o está esperando!
Dawa suspirou e atravessou a passarela, o lugar que estava era ainda mais fascinante, não por sua estrutura e design impossíveis, mas pela sua graciosidade natural, era como caminhar numa montanha de castelos de rocha azul.
Dawa adentrou o que a mulher havia chamado de tronqueira e nele, havia o que parecia ser um pequeno hall, havia uma rocha, clara, posta na entrada, mas seus escritos eram inelegíveis.
Dawa procurou por alguma porta de acesso, ou rampa, ou o que quer que fosse e não encontrou, até que,por detrás de uma rocha, que girou sobrenatural, a figura de um homem, alto, de vestes e barbas negras surgiu a sua frente.
Seus olhos eram perspicazes e bondosos, lembrou-lhe vagamente Bagwan.
– Ora, ora! – disse Ahkban abrindo os braços em gesto caloroso, a voz, grave e retumbante, reboou pelas estruturas de pedra – venha! Entre em minha sala, Dawa, Filho de Dawa, irmão de ____,
Dawa o encarou, sua presença era espirituosa e terna, havia dito os nomes de seu pai e seu irmão… E estes havia deixado antes mesmo do templo, engraçado, pensou, fizera tanto esforço em vida, para deixar tantas coisas para trás, e no entanto, parecia estar constantemente rebuscando-as, ou estas o rebuscavam de estranhos modos.
– Aproxime-se! – Disse Ahkban, excitado, e indicou a sua esquerda, um pequeno hall, Dawa pôde reparar que as mangas das vestes negras, refletiam detalhes prateados de extrema beleza, como adornos, talvez impossíveis, além dos limites de qualquer artesão que conhecera.
Dawa seguiu até Ahkban, e ao se virar, avistou a entrada de onde a grande porta de pedra havia se movido.
Adentrou a sala sem hesitação, o cômodo era disposto como um escritório, havia uma mesa polida, de vidro escuro, e atrás dela, resplandecia um arco que dava acesso a visão espetacular, do que pareciam ser centenas de construções, edifícios surreais.
Ahkban adentrou a sala em seguida, a pedra moveu-se no exterior selando a entrada com um ressonante estrondo.
– Impressionado? – Perguntou, admirando a paisagem.
– Absolutamente – disse Dawa.
– Ótimo! – Bradou Ahkban – realmente ótimo – disse, fazendo um gesto para que Dawa se sentasse no pequeno disco de metal que flutuava a frente da mesa. Intrigado, Dawa sentou-se, a superfície metálica revelava-se como líquido ao se sentar, moldando-se até certo limite sobre o chão, sendo assim, magnificamente confortável.
Ahkban sentou-se sobre a mesa e o encarou por alguns instantes com um sorriso engraçado desenhado nos lábios, e por alguns instantes, onde o desconforto ou o constrangimento poderiam naturalmente manifestar-se, houve a mais perfeita sintonia, novamente Dawa sentia uma estranha familiaridade com a sala que observava cada vez, com maior atenção.
– Posso fazer uma pergunta? – questionou.
– Claro! – respondeu Ahkban.
– É a primeira vez que venho a esta sala?
Ahkban sorriu, os ombros sacudiram levemente, e dawa achou esta característica, ainda mais familiar.
– Ora, Ora, acredito que esteja tendo alguma, impressão? – questionou Ahkban.
– Sim… Só uma impressão.
– Ótimo! – bradou Ahkban – é sinal de que, caso não se lembre, seja possível lembrar! É isto que faço, auxilio na maneira certa de se lembrar!
A sobrancelha de Dawa sobressaltara, como se estivesse prestes a vislumbrar algo, na parede cristalina de memórias que parecia irromper de sua psique…
– Há diferentes tipos de memória… há a memória do corpo, há a memória, linear da mente, repleta é claro, de detalhes que esta mesma, seleciona… Há a memória do espírito, e a memória do coração… para cada uma, diferentes formas, diferentes métodos… e diferentes razões para se lembrar, uma delas, é naturalmente, se esquecer…
Dawa sentira-se formigando.
– Então já estive mesmo aqui, nesta sala… E você provavelmente estava…
– Bem aqui – Disse Ahkban, com uma expressão amorosa.
– Eu era… Um guerreiro, certo?
Os olhos de Ahkban cintilaram.
– Certo – disse.
Dawa visualizara-se, vestido com a armadura, ao visualiza-la, uma profunda angústia o invadiu… e esta, embora diferente, embora mais forte e até mesmo, dolorosa, era a mesma sombra que existia, mais amena, em seu coração desta vez… Tathagata… Fora Tathagata quem lhe dissera, foram companheiros de batalha em uma vida anterior, e juntos haviam planejado experimentar a paz… E a paz experimentaram… E ali estava novamente… Assim como a ausência de Tathagata, esta o transpassava, como uma lança, como a mesma lança que lhe tirou o último suspiro, naquele campo de batalha, desta vez pôde ver, como se através de um flash, a cena exata.
– A memória que acabei de ter… Que tipo de memória é? Parece tão…
– Alheia? – disse Ahkban – como se fosse de outra pessoa? Uma pessoa que não mais é, mas foi?
– Sim – disse Dawa.
– Diga-me exatamente o que viu, e digo que tipo é…
– Vi o momento de minha morte naquela existência… Minha morte junto dele… Aconteceu duas vezes!
Ahkban assentiu com a cabeça.
– Coração – exclamou – acaba de lembrar-se com o corpo na verdade – exaltou, franzindo a testa – através do coração – Concluiu, como se vislumbrasse um detalhe quase imperceptível.
– Foi por isso que senti o corpo formigar? – perguntou Dawa.
– Claro! – respondeu Ahkban – a impressão do corpo foi liberada e apresentada, mas não pelo corpo, e sim, através do coração…
– Há um detalhe – disse dawa – a lembrança que acabei de ter, eu não a teria caso… Ele não tivesse dito a mim… Então conforme a sensação de familiaridade, deduzi que já estive aqui… e então
– Sim, sim, é assim que funciona – disse Ahkban – O que sente em relação a isso?
– Não sei dizer… É fantástico! Me sinto feliz por deduzir que mais uma vez, ele estava certo… Foi ele quem me disse!
– Bons momentos, juntos? – perguntou Ahkban.
– Sim – respondeu Dawa – incríveis…
– Bem, ele não está aqui agora…
– Como da ultima vez – respondeu Dawa.
– Fico feliz que esteja mais ameno desta vez, sendo que teve praticamente, o mesmo destino de sua vida anterior, como disse, aconteceu duas vezes, mas reagira de forma absolutamente diferente…
– Isto por que, escolhemos viver a paz, escolhemos outra ótica… Embora não mude coisa alguma, muda tudo!
Ahkban rira novamente, fazendo os ombros largos chacoalharem.
– Magnífico! Magnífico por um dia! – Exclamou Ahkban.
– Terminamos? – perguntou Dawa.
– Por hoje sim – respondeu Ahkban.