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A PROPOSTA – PARTE UM

capítulo 2

A sua frente estava de pé um homem e sua imagem era como um vulto escuro e aterrador, pois era como um corpo que se opõe a luz e se obscurece, mas tornou-se como uma nuvem branda de poeira a desfazer-se e por ela viu tornar-se nítida as feições de um velho, as rugas pesavam-lhe o rosto, a barba lhe acentuava a espiritualidade e seus olhos, saltados como os de uma águia, o encaravam enérgicos e corteses.

– Bagwan? – Indagou em grande admiração.

– Ah, sim! – Consentiu o velho, que surpreso, arqueou as sobrancelhas e tornou a observar atentamente, como que em reflexão, a paisagem ao redor – Era este o meu nome!

O velho sorriu satisfeito com o que pareceu ter sido uma descoberta muito agradável.  Suas vestes eram cinzentas e longas, tinha as mãos pousadas uma sobre as outras, transmitia em si mesmo profunda paz interior.

– Nunca me importei com nomes! – Disse subitamente – Mas sim… Pode referir-se a mim desta forma…  Bagwan! Foi assim que me conheceu! E é esta a ideia que tens de mim… A propósito, este ainda é o meu nome até que receba outro…

Bagwan deixou que as palavras se perdessem e seus olhos refletiram o infinito como se sorrissem, dispersara-se por um breve instante e então, como se retornasse a si mesmo instantaneamente, seu semblante se iluminou.

– Venha! – exclamou com a voz firme e serena – vamos caminhar!

O velho dera um passo jovial e então caminharam juntos e em silêncio pela vastidão do deserto. Enquanto seguia o velho mestre, sentia na ponta da língua algo peculiar, a cada passo, imergia inevitavelmente nas sendas do pensamento, e neles sentia-se perdido e desconfortável, pois não encontrava o que buscava.

– Curioso – Disse – me esqueci de meu nome…

– Ah, isto é um bom sinal – comentou Bagwan.

– É como se soubesse… Mas não sou capaz de dizê-lo… Pois não há…

– Necessidade? – indagou Bagwan.

– Não compreendo a natureza deste sentimento – Retrucou – é como se o fato de ser por si só bastasse e nada mais… Nada além de ser…

– Eu sabia exatamente como era este sentimento até a alguns instantes atrás – Disse Bagwan, repleto de humor – Sinto-me diante do mesmo mistério agora que me lembrei de que há para mim um nome…

– Estamos indo a algum lugar? – indagou.

– Já estamos em algum lugar, não?  – respondeu Bagwan – Por acaso deseja ir a algum lugar além deste?

Os pensamentos difusos ululavam anseios e questionamentos, a força com que emergiam e colidiam em caótica erupção.

– Que lugar é este? – indagou.

– Gostaria de saber dizer-lhe – respondeu Bagwan, olhando ao redor bastante impressionado.

– Deduzi que soubesse onde estava para vir ao meu encontro – argumentou.

– Felizmente não tenho respostas para esta questão – Exclamou Bagwan – mas tenho um palpite, ou ao menos compreendi estes sítios sendo como vales suspensos… Vales suspensos na eternidade… No entanto continuam a ser tão misteriosos para mim quanto são agora para você!

– Então há outros lugares além deste? – indagou.

– Sim! – respondeu Bagwan – mas não como este! A paz que há aqui é tamanha que pode vir a ser aterradora como o pior dos tormentos.

– Não me assusta o silêncio – Disse – estava prestes a adormecer… Por que me deteve? Senti que estava próximo da iluminação, as margens do Nirvana… Prestes a deixar de existir completamente…

– O Nirvana não estava próximo – declarou Bagwan – Só estava prestes a dormir…

A resposta de Bagwan fez-lhe lembrar de como era de fato o antigo mestre, sua consciência era afiada, atentava-se a detalhes simples que ninguém mais percebia, testemunhar novamente suas declarações fora demasiadamente prazeroso.

 

– Mestre! – exclamou.

Bagwan o encarou desta vez, sisudo.

– Então é verdade? Deixamos o mundo que conhecíamos?

– Ah, sim, claro que sim! – respondeu Bagwan – mesmo que haja a possibilidade de retornar, deparar-se íamos com um mundo absolutamente desconhecido, pois o mundo que deixamos também vive e por isso se transforma constantemente.

– Quando deixou o mundo, veio para este lugar?

– Agora que pergunta não me lembro – respondeu pensativo – e cá entre nós, que diferença faz? Já faz algum tempo desde que deixei o mundo.

– Encontrou mais alguém além de mim desde que deixou o mundo?

– Ah, sim, houveram de fato muitos encontros – respondeu – mas não me lembro deles… Apenas do fato de que tinha abertura para que acontecessem…

– É incrível não? – indagou – o fato de caminharmos juntos após a morte…

Bagwan gargalhou efusivamente.

– Ora Dawa, não existe morte! – respondeu – Esta sempre foi a maior das ilusões!

– Dawa! – bradou o jovem – Este era meu nome!

– Nomes!  – exclamou Bagwan – que confusões são capazes de causar!

E eis que então, a imagem daquele a quem amou, renascera,  e com os lábios sussurrou:

– Tathagata!

 

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